E o Fogo... à distância do coração
Por volta da meia noite, antes de ir para a cama, entro no Facebook... e de repente o sono vai embora.
A aldeia (freguesia, dizia sempre o meu avô) onde cresci (aos fins de semana e férias grandes, daquelas de três meses) está a arder. Digo asneiras. Ligo à minha mãe que lá está, no cabeço, com a minha avó. Calma, diz-me que está atenta às notícias... e um dos vizinhos já a veio alertar para tirar o carro, do local onde está, e para não dormir, para molhar tudo à volta. O fogo está a chegar.
"E a minha tia que está no lar!?", penso.
Caramba, mais umas publicações, e o coração começa a acelerar.
Mando uma mensagem ao meu irmão. Nada. Mando à minha sobrinha... ligo ao meu irmão. E ele também calmo, tenta acalmar-me. E as lágrimas vêm. A voz prende-se. "Então, mas o que é que se passa?!", pergunta-me. E com o som das palavras ainda preso lá digo que é o medo, a certeza de que nada posso fazer. Ele desliga para saber como as coisas estão. E volta-me a ligar. Serena-me... e lá acabamos por rir. Desligo.
E mais uma fotografia e mais um comentário... e eu não consigo sair do computador. Às vezes a ignorância seria tão melhor!
Entretanto já tinha mandado uma mensagem a um dos amigos da rede social que havia partilhado uma foto. Ele também tranquiliza-me, e diz que estão a apagar os fogachos atrás do lar onde a minha tia está. A seguir, por outro contacto, fico a saber que os bombeiros e a polícia já lá estão.
E vou fazendo refresh a seguir de refresh aos feeds para receber a mais pequena das informações... Já passou mais de hora e meia nisto... Ligo a TVI 24 pela internet e procuro que informem acerca do estado do fogo que desce para a aldeia da minha infância.
Há menos de um mês que a meio da noite eu e o meu irmão fomos buscar a minha mãe, que estava sozinha na aldeia, sem transportes para regressar a Lisboa, que os comboios não circulavam e a A23 estava cortada, porque o fogo andava em Mação.
Continuo nesta loucura à procura de informação e recebo a notícia que existe outro fogo que vem sobre a aldeia, mas de outra direcção, a partir de uma aldeia vizinha. E quase duas horas da manhã... um habitante da aldeia faz um directo... dantesco.
Volto a ligar à minha mãe. Continua calma, embora confirme que estão rodeados.
Lá me convenço que daqui não posso valer em nada e o facto de ficar ligada à internet não me traz coisa boa. Vou para a cama. Ainda passo mais uma vez os dedos pelos últimos post do Facebook... novo directo... o ruído impressionante do lume a levar tudo à frente; o vento que sopra sem destino, nem travões; o estalar das canas a queimar... as pessoas a gritar, a mexerem-se como loucas, para acudir aqui e acolá.
Tenho de dormir. Os meus dois filhos não sabem de nada, dormem serenos... e amanhã irão precisar de mim. Custa-me a adormecer, mas lá consigo. E o fogo continua a arder. Os da terra não dormem. Os bombeiros não descansam. E a noite para eles será sem fim.
Foto: Lusa/ Paulo Cunha |
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